domingo, 24 de outubro de 2010

Quem não come não aprende na escola

Eu tive fome e não me deste de comer
Por isso sofro a ignorância
Porque apesar da relutância
Jamais consegui aprender.
Matriculei-me aos sete anos como manda a legislação.
Numa escola simples em qualquer canto da União,
Nada aprendi, livro não tinha,
Não conheço nenhuma lição 
só aquelas que estão escritas
Num velho e amassado papel de pão.
Dormia nas aulas em plena manhã
Sentia fome do estômago doer
Esperava aflito a hora da merenda
Momento alegre em que ficava entregue
À melhor lição: encher o prato e comer.
Voltava á sala, nada aprendia
Nem me lembro bem da sinfonia
Que nas manhãs se perdia
Com o cinco vezes quatro,
O sete vezes sete, o nove vezes nove...
Na hora da prova quase sempre errava
O que escrevia a professora riscava.
E, no fim do ano, triste, me reprovava.
Repeti três anos e saí da escola
Lavei carros, fui engraxate,
Limpei vidros, fui até mascate.
Juntei-me a "gangs", conheci bandidos
Fui ventanista e puxador de carro...
Cinco vezes quatro foram as paradas
Junto ás casas assaltadas.
Sete vezes sete as voltas que dei no camburão
Por  crimes cometidos com minha mão
Que sem saber escrever uma lição
Matava, roubava, escapando á punição.
Até que me prenderam, as mãos me algemaram
Um processo muito grande escreveram
Contando os crimes meus e os outros
Que meus amigos cometeram.
Aos vinte e cinco anos vividos
Somando dias e dias sofridos
Fui condenado a viver trancafiado
De toda a sociedade separado
Para ver se aprendia, agora, a lição.
Tarde, muito tarde, nove vezes nove
Serão os anos da soma da condenação
Sem esperança alguma de libertação.
Assinei a sentença no final do julgamento
Pressionando o polegar com a força da minha mão.
Nada aprendi, estava condenado
E nem percebi que tinha sido destinado
à condenação e á prisão do meu Estado
Quando antes da escola, aos quatro anos, fui abandonado.
Nada sei, nada estudei
Não tive condição de aprender
Porque não me deram pão para comer.

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